A edição de 2025 do Orgulho Trans recebe Mutō não como uma instalação no sentido tradicional, mas como um organismo vivo. Um templo regenerativo queer, Mutō afirma o descanso, a metamorfose e a imaginação trans como matéria, como ritual, como necessidade política.
Concebida por Audax M. Gawler, artista trans não binárie australiane, Mutō propõe um gesto inédito: remunerar pessoas trans pelo ato de descansar. Ao fazê-lo, a obra reconstrói o sono e o sonho como tecnologias políticas, ecológicas e quânticas — tecnologias que abrem portais para futuros coletivos.
A presença de Mutō no Orgulho Trans é fundamental. Faz parte de uma visão mais ampla de celebrar e centralizar os imaginários trans em nossa programação contínua, além de criar encontros artísticos únicos para a comunidade trans. Mutō inaugura um gesto coletivo de reconhecimento: de que o descanso e o sonho trans não são marginais ou ornamentais, mas infraestruturas vitais para a sobrevivência e o florescimento. Este gesto é a semente de um movimento mais amplo. Enraizada na filosofia Symbiopunk, articulada por Audax, a obra nos convida a trabalhar ativamente por uma nova terra além do humano.
Encontrar Audax M. Gawler é encontrar magia. Essa sensibilidade permeia Mutō, que desafia narrativas humanocêntricas ao mesmo tempo em que convida à ternura. Queer em sua própria estrutura, a obra recusa a conformidade. Prefere o paradoxo, habita limiares e dança entre categorias — oferecendo-se como um santuário transplanetário.
Mutō habita a encruzilhada (laroyê) entre arte contemporânea, ciência ecológica e espiritualidade queer. Não se contenta em permanecer representação: insiste em ser vivida, respirada e sentida. Em seu gesto radical, Audax desestabiliza noções vigentes de trabalho e produção: onde a lógica extrativista devora, Mutō regenera.
Minha prática atua na interseção entre ecologia, futuridade e corporeidade trans, desenvolvendo instalações e performances participativas que prototipam mundos além dos limites antropocêntricos. Chamo isso de Symbiopunk: um trabalho especulativo, multiespécie e regenerativo que ensaia as condições do Simbio-ceno, uma era planetária definida por relações cuidadosas e recíprocas.
Em nosso presente, a transformação está em risco. Os sistemas capitalistas reverenciam a estabilidade e a continuidade, enquanto a própria Terra ensina o contrário: ciclos de florescimento e apodrecimento, morte e nascimento, colapso e renovação. A sobrevivência coletiva depende de nossa capacidade de abraçar essas transições, de reverenciar a mudança e de criar condições para vislumbrar o que pode emergir em horizontes compartilhados.
Mutō: Templo para a Regeneração Trans-Planetária é uma nova obra que responde ao colapso ecológico e à erosão das relações humano–não humano propondo um futuro em que a regeneração seja financiada, protegida e centralizada na vida cultural. O templo é guiado pelas borboletas, reverenciadas como mestres ancestrais da metamorfose. Sua capacidade de dissolver e refazer seus corpos é compreendida como uma habilidade crítica para a sobrevivência: a capacidade de desfazer o que causa dano e refazer o que sustenta.
Nesse futuro, as comunidades trans são celebradas por sua expertise vivida em navegar a transição, a transformação iterativa e a reconfiguração radical. São acolhidas no templo como sonhadores remunerados, suas visões honradas como contribuições vitais para futuros adaptativos e multiespécie. Aqui, o descanso torna-se trabalho essencial, o sonho torna-se produção cultural, e a futuridade torna-se uma responsabilidade coletiva e ecológica.
A crisálida oferece uma metáfora orientadora. Dentro dela, a lagarta se dissolve por completo, rendendo-se ao desconhecido. Restam apenas os discos imaginais: instruções celulares que reconstroem o corpo na forma de borboleta. Dentro de Mutō, os participantes sonham coletivamente em discos imaginais compartilhados, que servem como células-instruções para um futuro florescente e regenerativo. Através de rituais, descanso e reverência, dissolvem narrativas herdadas de dano e costuram novas possibilidades em existência.
A obra não é apenas simbólica, é também regenerativa na prática. Os participantes saem do templo com sementes de Asclépia (Milkweed), a única fonte de alimento para as borboletas-Monarca, conectando diretamente futuros especulativos a atos tangíveis de reparação ecológica. Esse gesto responde ao declínio global das populações de polinizadores, situando Mutō como um santuário imaginado para o sonho e como uma contribuição material para a sobrevivência das borboletas.
Dessa forma, Mutō é uma oferenda em múltiplas escalas temporais: um espaço de visão coletiva para futuros possíveis e um ato de cuidado ecológico no presente. Enquadra o sonho como um bem público, situa a visão trans e multiespécie como indispensável para a sobrevivência planetária e demonstra que regeneração cultural e ecológica devem ser compreendidas como inseparáveis.
Como um Symbiopunk multigênero, interesso-me não apenas em representar futuros possíveis, mas em ensaiá-los, convidando os participantes para experimentos lúdicos, catárticos e corporificados com a transformação. Em Mutō, sonhamos de outro modo, juntes, para os mundos que ainda virão.