COLUNA

Dossie Easton

[ELA/DELA]

É um dos nomes mais importantes dos estudos de não monogamia no mundo.

Fazendo amizade com ciúmes

Nos últimos 40 anos tenho estudado, refletido, escrito sobre e praticando terapia sobre o assunto de viver em relacionamentos sexualmente abertos e lidando com o ciúme. Neste capítulo, gostaria de compartilhar algumas de minhas experiências, experiências e reflexões sobre como trabalhar com clientes que vivem nesses estilos de vida, e sobre como encontrar equanimidade nas intensas tempestades emocionais chamadas de ciúmes.

 Minha própria abordagem teórica da natureza do ciúme será tecida neste capítulo, mas o foco está na orientação prática que pode ajudar outres terapeutas que trabalham nessas áreas. Particularmente, compartilharei intervenções que têm sido úteis para pessoas que estão adotando esse estilo de vida poliamoroso. Isso deve ser de interesse para pessoas da acadêmia, bem como para profissionais e algumes terapeutas que tiveram experiência com clientes que explicitamente desejam desaprender sexo e ciúme, pois tem havido pouca pesquisa sobre o assunto (ver Clanton & Smith, 1977 e White & Mullen, 1989 para alguns trabalhos anteriores nesta área).

Recentemente, o interesse no tema tem crescido entre clientes e médicos, bem como na literatura. No meu próprio livro sobre relacionamentos abertos, The Ethical Slut (Easton & Liszt, 1997), foi desenhado e referenciado em muitas publicações (por exemplo, Barker, 2004; Klesse, 2007, Haritaworn, Lin & Klesse, 2006, e a coleção atual).

A Galinhagem ética: um guia prático para poliamor, relacionamentos abertos e outros Adventures sairá em uma nova edição expandida ainda este ano (Easton e Hardy, 2009).

Eu trabalho com a postura de que o ciúme é uma experiência emocional problemática que impede muitas pessoas de expressar plenamente sua sexualidade e de reivindicar toda a gama de opções disponíveis para elas. Nos 12 anos desde que o livro “Ethical Slut” foi publicado pela primeira vez, tem sido um grande privilégio trabalhar com muitos casais, tríades e outros que estavam escrevendo ativamente seus próprios roteiros sexuais e amorosos. Sou grata pelo que aprendi com a íntima jornada que meus clientes compartilharam comigo em sua terapia. Eu ensinei muitos workshops para grupos maiores e treinei outres terapeutas em especialização com famílias poliamorosas. 

Agora muitas pessoas procuram terapia e apoio na construção das famílias que trabalham para iles e desfrutam da experiência sexual que esta tornando suas vidas mais plenas. Como terapeuta, estou particularmente interessada na profunda jornada emocional de desaprender-se do ciúme.

O CIÚME É INEVITÁVEL?

Começo explorando as raízes do ciúme. Por que é tão importante para as pessoas?

Quais são as estruturas sociais que a sustentam? Terapeutas podem investigar ciúme da mesma forma que olhamos para nossa vergonha e auto-aversão em relação à imagem corporal, que a maioria de nós entende ser baseada em padrões totalmente arbitrários. Quais são os mitos que nossa cultura popular promovidas sobre o ciúme amoroso e sexual?

É verdade para todes nós é como os Beatles diriam: “Prefiro ver você morta, garotinha, do que vê-la com outro homem?” (Lennon & McCartney, 1965).

Possivelmente o maior mito sobre o ciúme é que parece que as pessoas não têm outra escolha a não ser “irem à loucura”: muitas pessoas acreditam que a violência e até mesmo o assassinato são justificáveis ​​quando um pessoa está sob o domínio de um ciúme intenso (Sharpsteen, 1993).

As pessoas podem até considerar a ausência de ciúme como uma inadequação do amor, acredito que o objetivo terapêutico adequado não é eliminar o ciúme mas sim cuidar disso. Uma vez que uma pessoa esteja confiante de que pode se acalmar, mesmo se encontrar alguma serenidade quando sente ciúmes, a pessoa percebe que não tem mais razão para temer o ciúme. Quando o ciúme é reduzido a um desconforto administrável, as pessoas e os relacionamentos podem se dar ao luxo de entrar em qualquer interação que seja escolhida, mesmo que isso possa despertar sentimentos reconhecidamente desagradáveis.

REDEFININDO A CIÚME

Um primeiro passo é ajudar as pessoas a se familiarizarem com suas próprias narrativas sobre o ciúme. O que é ciúme, afinal? Quando eu leio sobre poliamor, sempre peço ao público que compartilhe o que é ciúme para cada uma delas, e ainda, como iles experimentam o ciúme, eu invariavelmente recebo muitas respostas muito diferentes.
Para uma pessoa, é uma raiva ofuscante, para outra é tristeza, uma pessoa experimenta uma insegurança enorme, outra se preocupa com direito territorial. Algumas pessoas se sentem abandonadas, outras inseguras, feias, sem valor, indesejável ou desagradáveis. 

Essa variedade de maneiras pelas quais as pessoas experimentam o ciúme demonstra que o ciúme não é uma coisa que pode ser um experiência nitidamente definida, mas sim, experiências diversas, entretanto únicas para cada indivíduo.

O ciúme na verdade não é uma emoção única, mas uma espécie de termo abrangente para sentimentos dolorosos ou sentimentos assustadores que podem surgir ao pensar em ume parceire se conectando sexualmente ou romanticamente com outra pessoa. Ciúmes é o nome de um estímulo, não uma emoção.

Uma cliente tentando se livrar do ciúme aprendeu imediatamente que ter decidido não sentir ciúmes não era proteção alguma. Quando ela olhou para dentro de si mesma para tentar ver o que realmente era o ciúme, ela descobriu raízes profundas de insegurança decorrentes do abuso infantil. 

Ela não tinha nenhuma maneira de se sentir bem consigo mesma sem garantir a performance de outra pessoa. Obrigação permanente de assegurar-lhe que ela era uma pessoa digna.  Na terapia ela achou possível, embora não exatamente fácil, trabalhar em sua auto-estima, aprender a afirmar-se perante as outras pessoas e validar-se. Assim ela construiu para si uma base de segurança que ela poderia possuir e operar, uma fundação que ela usou desde então para muitos propósitos em sua vida.

Outro cliente que acreditava não poder evitar cair em uma crise de raiva sempre que ele pensava em sua esposa tendo qualquer conexão sexual com qualquer outra pessoa, ele deu uma boa olhada em sua raiva na terapia, assistiu a uma aula de controle da raiva e se libertou não só do ciúme, mas de muitas maneiras pelas quais a raiva tinha sido uma força destrutiva em seus relacionamentos. 

Desaprender o ciúme pode se tornar um caminho de transformação.

FAZER AMIZADE COM O CIÚME

O primeiro passo é sempre ter responsabilidade pelas suas próprias emoções, e fazer isso pode ser particularmente difícil quando se trabalha com clientes tomades pelo ciúme. Muitas  vezes também, a terapeuta ouve uma longa liturgia sobre o que parceires fizeram, quando o fizeram, com quem, e quão errados iles estavam em fazer aquele sentimento tão ruim aparecer. Uma característica definidora do ciúme é que ele é projetado para outras pessoas, gentilmente e com firmeza, a terapeuta deve orientar clientes a ver seu ciúme como uma manifestação de seus próprios medos.

Acho útil começar encorajando clientes a explorar o que é o ciúme para iles, algumas vezes, escrever sobre isso pode trazer pistas à tona, principalmente se as pessoas puder fazer um esforço para ouvir seus sentimentos e tentar entendê-los. A terapeuta pode usar as mesmas ferramentas que usaria empregando com qualquer sentimento difícil: medo, tristeza, raiva e assim por diante. 

Uma grande parte do trabalho que fazemos como terapeutas é fornecer um recipiente (Bion, 1962) e um ambiente seguro e de apoio no qual a pessoa pode explorar suas emoções e expandir suas escolhas sobre como lidar com quaisquer sentimentos difíceis (Rogers, 1951).

Culpar as outras pessoas ou a si mesme não ajuda a neutralizar o ciúme e, muitas vezes, aumenta o sofrimento. O banimento também raramente ajuda: não há cirurgia que removerá o ciúme ou qualquer outra parte da experiência emocional de uma pessoa. O que parece verdade para a maioria das pessoas é que em algum lugar elas aprenderam a se sentir assim quando confrontadas com um estímulo desafiador. Aprender novas respostas exige muito trabalho, mas esse trabalho traz muitas recompensas quando é realizado.

Um exercício de lição de casa útil é designar clientes ciumentos a fazer perguntas ao seu ciúme. Ousado em escrever uma carta ao seu ciúme dizendo o que está tentando fazer. Sugira que seu ciúme pense como uma pessoa ecologista: qual é o trabalho do ciúme em seu ecossistema emocional?

O seu ciúme está tentando proteger você? Manter você a salvo de alguma ameaça sombria?
A noção de “A Sombra” de Jung (1958) pode sugerir que o ciúme sobre “a outra pessoa”,  é uma forma de defender nossa psique contra outras memórias e emoções, situações que experimentamos como intoleráveis.

Às vezes, as pessoas ficam presas no passado, procurando por esse motivo específico, garantia ou validação que elas ansiavam e nunca receberam de seus pais. Ao lidar com projeções de anseios tão profundos, é importante lembrar que o ciúme muitas vezes é a máscara por trás da qual velhos e profundas as feridas estão escondidas, o conflito interno que as pessoas sentem-se incapazes de enfrentar, da natureza particular do ciúme pode sugerir soluções.

As questões de abandono são comumente trabalhadas na terapia, assim como o processamento do medo da perda, controle da raiva e construção da auto-estima. Quando a territorialidade é a principal preocupação, pode ajudar se a pessoa estiver disposta a examinar seus limites interpessoais.

Quais são seus limites nesse momento? O que você gostaria que os seus limites fossem ? 

Um exercício útil para uma crise é escrever dez frases começando com as palavras: 

“Não é tudo bem para mim quando… “   Isso deve incluir itens que não sejam limitados sobre ciúme ou sexo, não existe um problema que seja muito pequeno, escreva tudo.

Profissionais e terapeutas podem então revisar a lista com clientes e procurar maneiras de pedir a outras pessoas que respeitem qualquer um dos limites da lista – comece com o mais fácil, como; “Não está tudo bem comigo quando você pega minhas roupas emprestadas sem perguntar.”

Muitas pessoas cresceram em famílias onde tinham poucos limites, e aprender a reconhecer e honrar os próprios limites pode transformar vidas muito além do objetivo imediato de equidade ao enviar parceires para um encontro com outra pessoa.

A COMPAIXÃO COMEÇA EM CASA

O que quer que a pessoa descubra sobre seu ciúme, sendo uma pessoa dura e autocrítica, é improvável que produza conforto e facilidade. Terapeutas podem encorajar clientes a tratarem-se bem quando se sentem mal. Comida reconfortante, sair para o movimento com uma amiga, uma massagem, relaxando em uma banheira de hidromassagem e escolhendo flores para a mesa de cabeceira pode servir de base para as atividades de autocuidado (ver MHF, 2000). 

Auto nutrir é muitas vezes mais fácil de aprender em um nível físico direto, o que pode mais transmitir facilmente a mensagem de que a pessoa vale a pena e é digna de amor. Atividades que ocupam o trem do pensamento também podem ser úteis, como: ler, jogar, escrever ou jogos intelectuais de computador, esses podem interromper o processo de pensamentos de desastre iminente, permitindo assim que o sistema relaxe.

Quando clientes tentam qualquer um desses exercícios ou qualquer outra exploração em seus relacionamentos individuais com seu próprio ciúme, iles podem descobrir que é muito difícil focar na introspecção quando sua mente está a mil pensando no o que a pessoa amada está fazendo quando sai com amigues, o que fizeram e o que farão. 

Pode ser útil para explorar como as pessoas que frequentemente projetam seus medos nos outros quando acreditam que suas emoções as dominarão (cf. Freud, 1920) e que são impotentes para mudar, conter ou mesmo sobreviver a sentimentos tão intensos.

PASSOS PARA A PAZ DE ESPÍRITO

Um primeiro passo é estar com disposição para sentir o próprio ciúme, as pessoas se complicam quando tentam organizar suas vidas e seus relacionamentos em torno de tentar não sentir algo. Sentir ciúme pode ser uma luta, mas essa luta pode ser um trabalho produtivo. É útil ensinar clientes a terem compaixão e não rejeitar a si mesmo quando sentem dor.

Uma vez que obtive algum sucesso com a auto-calmantes, então podem correr o risco de se expor ao ciúme, sabendo que cada pessoa pode parar antes de ficar se sentindo completamente oprimida.  Também é importante lembrar clientes de serem pessoas mais compassivas consigo mesmas. Muitos medos foram apreendidos quando iles eram crianças pequenas; e agora não são mais tão impotentes como eram quando crianças. 

Um exercício útil é montar uma hierarquia de ansiedades onde as pessoas listam as etapas em direção ao seu objetivo em cartões, então os coloca em ordem do menos assustador para o mais assustador, comece a trabalhar na etapa mais fácil, talvez até explorando um site de namoro com a pessoa amada. Quando as pessoas assumem um risco razoavelmente suportavel de sentir ciúmes em um nível que pode ser descrito como “um pouco nervose”,  iles podem desenvolver habilidades que operam em situações mais desafiadoras.

CONCLUSÃO

Quando as pessoas assumem seu ciúme e aprendem a se cuidar mesmo quando se sentem machucadas, toda a sua vida pode se tornar mais livre e mais fácil. Se manuseado com cuidado e em plena consciência, o ciúme pode ser uma oportunidade de transformação que pode liberar cada indivíduo para explorar e celebrar sua sexualidade. Pode abrir a sua capacidade de amar e de construir intimidade de maneira mais profunda em todos os seus relacionamentos amorosos e em relação seus relacionamento com si mesmo. Aprenda a usar o ciúme como um sinal da necessidade para a compaixão e consciência e você pode se tornar o veículo para a liberdade: então o ciúme pode ser realmente um bom amigue.

COLUNISTA

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Dossie Easton

[ELA/DELA]

É um dos nomes mais importantes dos estudos de Não Monogamia no mundo, ela é uma verdadeira pioneira. Co-autora do livro “The Ethical Slut: A Practical Guide to Polyamory, Open Relationships, and Other Adventures”, na tradução para o português; “Galinhagem Ética – Um guia prático para poliamor, relacionamentos abertos e outras aventuras”. Psicoterapeuta, consultora de relacionamento, educadora e autora. Desde 1969, viveu e trabalhou em culturas da comunidade LGBTQIAP+. Dossie é dedicada a indivíduos e comunidades feministas, poliamorosas, BDSM, espirituais, com diversidade de gênero.

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