Já faz uns bons 15 anos que eu observo e sinto o quanto a opressão lateral tem devastado o nosso movimento LGBTQIAP+ em inúmeras esferas.
Eu percebo a violência lateral como um fruto nefasto do cisheteropatriarcado e da branquitude, é uma herança colonial e que está afetando a nossa saúde mental.
Também chamada de colonialismo internalizado ou violência horizontal, acontece quando pessoas de grupos minorizados que foram oprimidas por muito tempo se sentem tão impotentes que, em vez de lutar contra seu opressor, liberam seu medo, raiva e frustração contra os membros de sua própria comunidade. As pessoas oprimidas tornam-se as opressoras de si mesmas e umas das outras. São comportamentos comuns e me parece que impedem a ocorrência de mudanças positivas para criação de uma comunidade LGBTQIAP+ de fato, e que incluem fofoca, intimidação, apontar o dedo, traição e afastamento, comportamento agressivo e hostil. Quando digo “comunidade”, estou me referindo ao sentido de colaboração mútua, de sair da individualidade para pensar e agir para o coletivo social com um real senso de comunidade e cooperação.
Participo ativamente e observo os movimentos de grupos minorizados em tenho refletido muito sobre como nos comunicamos, como lidamos com nossas emoções, e o impacto que todo trauma ancestral e coletivo tem no estado da nossa saúde mental.
As dificuldade que temos em nos perceber, ver e nos ouvir, e expressar nossas necessidades e sentimentos como indivíduos para o coletivo, mexe comigo de maneira profunda, me entristece, me causa angústia e frustração.
Porque quando a opressão lateral está contecendo, gastando toda a nossa energia se digladiando entre si , drenando o coletivo que justamente estão lutando para construir.
Vejo o noso sofrimento como movimento LGBTQIAP+, todo trauma por trás das ações agressivas, e, muitas vezes, perversas e sádicas. Com a projeção do inconsciente em muitas das tentativas da criação dessa “comunidade”, se sem a possibilidade de apoio e terapia, a situação vai se agravando.
A cultura do cancelamento lateral só ganha força com as redes sociais, e acredito que já podemos perceber que isso tem a ver com sadismo da humanidade e tentativa de inferiorizar a outra pessoa para se sentir melhor (ou menos pior).
Penso que cancelar, no sentido de eliminar a outra pessoa, pode ter a ver com a ideia política de resistência. Há várias discussões sobre a origem histórica do termo e de práticas de luta em que grupos minorizados buscam formas de resistir à opressão, unindo-se para “cancelar” o opressor. Mas o que acontece quando a ideia do opressor é distorcida e qualquer ume de nós pode virar “o opressor” em potencial?
Um indivíduo pode ter uma discussão com uma pessoa específica, ativando um gatilho que coloca a pessoa em estado de trauma, no qual ela se sente encurralada, podendo agir dentro dos quatro comportamentos clássicos do trauma: lutar, fugir, congelar ou apaziguar.
Com o movimento de resistência e cancelamento, podemos concluir que a escolha por boa parte de nós pessoas que compõe o movimento LGBTQIAP+ tem sido “LUTAR”. Muitas vezes sem espaço para processar emoções, podemos perceber um elemento que me lembra a inquisição, convocações online, e rapidamente um assunto vira “Trending topic” e acontece o “efeito manada”, nome dado pela Psicologia para definir a tendência do ser humano em se comportar como todo mundo (como seu grupo, a sociedade ou a maioria das pessoas em geral) está se comportando, mesmo sem saber o motivo daquilo.
Muitos estudo apontam que o impacto psicológico pode se tornar gatilho para depressão e transtorno de pânico, ou até mesmo para o consumo elevado de álcool e outras drogas, tanto para quem recebe como para quem pratica o cancelamento.
Ao longo dos ano percebi que um dos meus maiores superpoderes é a resiliência, com paciência de ir achando caminhos de explicação, aceitação, a possibilidade de mutualidade e cocriação de uma comunidade de fato, o que me traz esperança. E, nesse lugar de esperança, está o desejo genuíno de mudança para um futuro em que possamos praticar o que muitas vezes é apenas verbalizado por muites de nós, aquele famoso “tamo juntes”. Mas estamos mesmo? O que significa estar junto?
Para mim o novo paradigma é tentar compreender o que é melhor para todes nós, e como criar uma lógica de cooperação possível dentro de uma competição saudável de narrativas. O novo paradigma é lógica de cooperação, e quem vence de fato é o grupo mais apto.
Nós provavelmente vamos errar e projetar os nossos conflitos sobre as outras pessoas, e isso faz parte. Mas, quanto mais houver espaço e disposição consciente para ter conversas difíceis, mais vamos avançar. Eu valorizo a mutualidade, a possibilidade de curar nossas feridas internas, e renovar a crença em nós mesmes.
Por que as pessoas fogem das suas emoções, em vez de ter curiosidade sobre elas?
Se houve trauma e abuso, o que geralmente acontece, isso leva as pessoas a se comportarem de certas maneiras, dependendo da resposta do que passaram na infância e quais programas foram instalados em seus “bancos de dados pessoais”. É na infância, de 0 a 7 anos, que adquirimos nossos “programas”; a teoria do apego é um excelente conhecimento para quem quiser entender esse processo ainda mais a fundo. Segundo o psicanalista John Bowlby, a teoria do apego determina os tipos de vínculos que você vai desenvolver como adulto e todas as suas relações.
Segundo a Dr. Joan Rosenberg, as pessoas têm medo de seus sentimentos, por conta da sensação corporal que vem acompanhada desses sentimentos. Sentir o corpo e o processo somático é essencial para entender o que está acontecendo dentro de nós.
Mas podem ser esmagadoras, para muitas pessoas, as sensações do corpo quando percebemos que não as podemos controlar.
As pessoas não querem sentir o desconforto e então se desconectam do seu próprio corpo, agindo geralmente dentro dos já citados quatro comportamentos clássicos do trauma: lutar, fugir, congelar ou apaziguar.
Nossos sentimentos podem ter um propósito de nos ajudar a evoluir e crescer. Cada sentimento pode nos ajudar em uma coisa específica na vida, se trabalharmos com nossa inteligência emocional e entendermos o que esse sentimento está nos trazendo.
Cerca de 80% da humanidade têm fugido da dor e dos seus próprios sentimentos desagradáveis, e esses números devem ser ainda maiores quando falamos de pessoas de grupos minorizados. Não sabemos lidar com a frustração; se não fosse assim, não estaríamos vendo esse nível de violência.
Se o padrão de comunicação é só raiva, competição, fofoca, isso acaba virando um sentimento padrão de um indivíduo ou de um grupo, e leva à negação do que estamos realmente sentindo.
Segundo seu trabalho, a Dr. Joan Rosemberg aponta para a dificuldade das pessoas em como expressar, comunicar e vivenciar os oito sentimentos desagradáveis, que são:
- tristeza
- vergonha
- desamparo
- raiva
- vulnerabilidade
- constrangimento
- decepção
- frustração
Quando as coisas não acontecem segundo nossa expectativa nas situações do dia a dia, são esses os oito padrões de sentimentos que podemos observar emergindo com mais frequência e nos afastando de coisas que são realmente importantes para nós. A nossa dificuldade está, na verdade, com esses sentimentos sendo um obstáculo e obstrução.
Acordar para isso é sair do looping, da gravação de uma fita que está tocando repetidamente dentro de nossos sistemas nervosos, presa nas experiências de trauma.
Para entenderem melhor como todo esse processo funciona, acompanhem esta entrevista realizada com a Dr. Joan Rosenberg para o programa “The School of Greatness”, de Lewis Howes:
Neste episódio, a Dr. Joan Rosenberg compartilha as cinco chaves para construir uma confiança constante, os 8 sentimentos desagradáveis que nos impedem de nos sentirmos como pessoas completas, e como afiar nossas habilidades para nos comunicarmos e expressarmos nossos sentimentos.
Assista também a live sobre esse tema com a presença internacional do ativista amoroso, especialista em diversidade, Fresh “Lev” White e de Pri Bertucci, Artista Social. Iles abordaram questões sobre o orgulho trans internacional, visando promover a criação de pontes entre mundos. Uma conversa sobre traumas ancestrais e coletivos, amor próprio e senso de Accountability (responsabilidade e reparação) ressaltando a importância da união dos movimentos a partir do que têm em comum, além de explorar como o estado de presença pode contribuir como processo de uma comunidade mais unida.