COLUNA

Pri Bertucci

[ILE/DILE & ELE/DELE]

Artista social, educadore e pesquisadore da área de diversidade há pelo menos duas décadas

Pós-ativismo e reapropriação Cultural 


Ferramenta de Resistência e Neutralização do Poder Opressor

Reapropriação cultural e simbólica pode inspirar visões alternativas, possibilidades e trajetórias que desafiam o status quo de várias maneiras poderosas, convidando a novas formas de existir e se relacionar na sociedade. Através da reapropriação, comunidades marginalizadas podem tomar controle das narrativas que historicamente foram usadas para oprimir ou marginalizar.

Em um mundo onde as palavras e símbolos carregam peso significativo, a estratégia de reapropriação cultural e política se destaca como um meio poderoso de resistência e transformação social. A comunidade queer no Brasil e globalmente, têm adotado termos pejorativos para desafiar e neutralizar o poder de seus opressores, transformando ferramentas de exclusão em ícones de orgulho e ressignificação.

As formas estabelecidas de ativismo realmente buscam uma mudança positiva. No entanto, uma nova iteração de ação poderia ser muito mais poderosa, se repensarmos as abordagens convencionais que frequentemente mantêm perspectivas unidirecionais e orientadas para objetivos. Essas abordagens tradicionais empregam visões de mundo binárias e combativas e partem do pressuposto de que os humanos estão separades da natureza, acreditando que devem controlar forçosamente cenários para corrigir problemas.

Movimentos ao redor do mundo podem perceber esses exemplos como inspiração para suas próprias lutas, utilizando a reapropriação não apenas como defesa, mas como um ato proativo rumo à transformação cultural, social e política.

A hospitalidade ao outro que vem do pós-ativismo é um conceito envolve abrir espaço para as “Outras pessoas” — seja essa ideia de “outro” ser uma pessoa, ideias, eventos ou entidades que são normalmente marginalizadas ou vistas como estranhas ou ameaçadoras.

“Pós-ativismo não é a maneira como descrevo uma forma superior de ser que garante soluções. Não é “pós-” no sentido de ser uma narrativa sucessora, uma verdade mais profunda, um caminho mais certo para mundos utópicos, uma fórmula para salvar o mundo.”  Essa frase é de Bayo Akomolafe, filósofo, psicólogo, professor da Schumacher College, e pós-ativista. 

Akomolafe sugere que, em vez de buscar dominar ou superar os problemas que enfrentamos, deveríamos aprender a ouvir profundamente vozes diversas e abraçar a complexidade, a incerteza e múltiplas perspectivas. O pós-ativismo acolhe a humildade, a curiosidade e a colaboração; reconhece que vivemos em um mundo multidimensional com uma pluralidade de perspectivas e admite que estamos inseridos no mundo imperfeito que esperamos curar.

O pós-ativismo não é algo que vem DEPOIS do ativismo. É uma nova forma de entender o ativismo, partindo mais da escuta e de entender que somos uma unidade com o Universo. Tudo está conspirado em amor incondicional, por isso velhos anciães encostam seus ouvidos na Terra, para escutar o que ela diz.
Akomolafe conta sobre as suas histórias na terra dos Yoruba, quando um deus passa, você não desafia  Deus, especialmente ser o Deus da tempestade, Shango. Você se deita e se prostra no chão. É uma forma de rendição. Não temos uma política de rendição. Temos uma política de vitória e precisamos de uma política que seja projetada para nos permitir cultivar a rendição juntes. Nossas ações, nossa missão é pós-ativista. Reconectar e regenerar através do cordão que nos une a todes os seres e ao planeta.

5 argumentos para você entender o poder de ressignificar a estratégias de opressores 

1. A Reapropriação de “Queer”: Transformação  e Ressignificação 

“Queer”, já foi um termo pejorativo usado para marginalizar e insultar, foi habilmente transformado e ressignificado pela comunidade internacional LGBTQIAP+, em uma palavra que abrange uma série de significados com proposição de liberdade que desafia o cisheteropatriarcado. Este fenômeno não é apenas uma mudança linguística, mas um ato de empoderamento político e social. Através de sua adoção, a comunidade não apenas desarmou os agressores, mas também criou um espaço de visibilidade e solidariedade, fortalecendo seu movimento globalmente.  

QUEER COMO VERBO

“Um dos aspectos que me fascina da palavra queer é a sua variedade de significados. Pode ser usada como um adjetivo, no pejorativo, como um substantivo, como identidade coletiva, como orientação afetivo-sexual e como identidade de gênero (como na identificação genderqueer: gênero queer). Mas há uma utilização que deixou de ser comum: queer como um verbo. O que quer dizer to queer something? Tempos atrás essa expressão significava «estragar algo / bichar alguma coisa». Apesar de eu me alegrar com o fim desse uso da palavra, eu gosto de usar queer como um verbo. To queer alguma coisa, seja um texto, uma história, ou uma identidade, significa analisar as suas fundações e questioná-las. Possibilita a exploração dos seus limites, seu viés, suas fronteiras. Podemos buscar um espaço onde haja elasticidade ou descobrir formas de transformá-la. To queer é examinar as nossas suposições e decidir qual delas queremos guardar, mudar, descartar, com qual dela queremos brincar. Essa prática torna-se um exercício que transcende o hábito de conformar-se com categorias pré-determinadas e cria novos conceitos.” ____ Charlie Glickman PhD e coach de relacionamentos, educador de sexualidade somática.

2. Contexto Brasileiro: Neutralizando “Sapatão” e “Viado”

No mesmo contexto da pala queer, no Brasil, palavras como “sapatão” e “viado”, originalmente usadas para discriminar e humilhar, foram redefinidas e abraçadas pela comunidade LGBTQIAP+ como títulos de resistência e identidade. Esta estratégia de reapropriação reflete uma poderosa resposta cultural e política que desafia diretamente a linguagem da opressão, transformando-a em uma celebração da diversidade e da resistência.

3. A Filosofia de Audre Lorde: Novas Ferramentas para criar Novas Estruturas

Audre Lorde destacou que as estruturas opressivas não podem ser desmanteladas utilizando as ferramentas que as sustentam. Este princípio é fundamental para compreender a eficácia da reapropriação como uma estratégia de resistência. Lorde ensinou que, ao invés de responder à violência com violência ou ao ódio com ódio, é essencial desenvolver novas “ferramentas” — métodos criativos, inclusivos e transformadores. Movimentos sociais aplicam esta abordagem ao redefinir palavras e símbolos, criando novos significados e contextos que não só desafiam a narrativa opressora, mas também oferecem alternativas sustentáveis. Assim, a reapropriação se alinha com a ideia de Lorde de que “as ferramentas do mestre nunca desmontarão a casa do mestre”, promovendo mudanças reais e duradouras.

4. Transcendendo a Dualidade na Política com Reapropriação Simbólica

No Brasil, a reapropriação das cores da bandeira nacional pode demonstrar como símbolos tradicionais podem ser transformados em estandartes de inclusão e justiça. Esta abordagem vai além da simples oposição ao uso político desses símbolos por grupos conservadores, permitindo refletir além das dualidades típicas de disputas partidárias. Ao redefinir e ressignificar esses símbolos, desafiamos o “patriotismo burro” de paradigmas passados e reconectamos a sociedade com os valores fundamentais de diversidade, igualdade e direitos humanos que compõem nossa nação.

5. Estratégias para o Futuro: Reapropriação e Neutralização como Tática Política

O movimento de reapropriação desafia o status quo e promove o desenvolvimento de estratégias mais inteligentes e conscientes na luta por direitos e reconhecimento. Este método evita replicar a violência ou agressividade dos opressores, optando por subverter essas energias em prol da construção de uma sociedade mais justa e equitativa. Além disso, a reapropriação incentiva um pensamento inovador e revolucionário, que se afasta do binarismo e da polarização exacerbada, oferecendo uma resposta mais medida e construtiva a ambientes agressivos, em vez de perpetuar ciclos de violência e confronto.

COLUNISTA

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Pri Bertucci

[ILE/DILE & ELE/DELE]

Artista social, educadore e pesquisadore da área de diversidade há pelo menos duas décadas. Identifica-se como pessoa não branca, não cis, não binária, transgênero /gender queer. É CEO da [DIVERSITY BBOX] consultoria; fundadore do Instituto [SSEX BBOX], projeto pioneiro no tema de justiça social; cocriadore do “Sistema Ile”, mais conhecido como linguagem neutra na língua portuguesa. Pri também é produtore executivo da Marcha do Orgulho Trans de São Paulo, e inovou em 2023 quando criou a primeira AI não binária do mundo.
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No Instituto [SSEX BBOX] realizamos projetos e advocacy que visam destacar a diversidade, inclusão e a equidade sobre os temas de gênero, sexualidade, população LGBTQIAP+, raça, etnia e pessoas com deficiência.

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