No domingo, 19 de junho de 2022, a Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo voltou à Avenida Paulista depois de dois anos de recolhimento pandêmico. A alegria da coincidência da minha volta à São Paulo, após um breve hiato vivendo em Brasília, com o retorno do público recorde na rua clamando por combate à discriminação, respeito à diversidade e luta por políticas afirmativas me motivou a compartilhar aqui algumas recentes reflexões que dividirei em três textos para não cansar a paciência de ninguém.
A primeira reflexão vem de uma pergunta que está sendo muito repetida: “a presença de empresas na parada desvirtua o propósito de seu protesto?”
Para começar a minha resposta, eu volto a junho 2018, quando ainda morava em Nova Iorque, e compareci a um evento da semana do Pride promovido pelo Out & Equal e ONU no escritório do BNP Paribas. Minha animação pelo evento tomou uma dimensão ainda maior quando percebi que o vão daquele prédio fazia parte de um atalho pelo qual andava diariamente a caminho do trabalho e que os nova-iorquinos carinhosamente apelidaram de 6th and ½ Avenue. E sempre que passava pelo vão desse prédio – com as estátuas na sua frente, bem como as portas giratórias que dão acesso a esse vão – passava pela minha cabeça uma cena de musical, com o elenco saindo aos montes por aquelas portas giratórias e dançando em sincronia entre as estátuas do elefante e do coelho.
Mente criativa de um gay morando na Broadway, eu sei, mas foi com esse espírito (e provavelmente cantando alguma música de Kinky Boots na minha cabeça), subi para a reunião.
Ali me encontrei com representantes de diversas empresas e organizações e fomos todos convidades a nos sentar em um grande círculo, nos apresentar e iniciar uma conversa sobre iniciativas voltadas à promoção da diversidade e inclusão LGBTQIAP+ bem como ações programadas para aquela semana do NYC Pride. Vários representantes das empresas americanas mencionaram haver programado ações para a parada, mas estavam recebendo um crescente escrutínio do público que tem visto a forte presença de corporações nas paradas como uma desvirtuação de seu propósito.
Assista o vídeo : O QUE SIGNIFICA SER UMA EMPRESA ALIADA DA CAUSA LGBTQAIP+ ?
(Filmado e Produzido em NYC)
Eu lembro de ter feito um contraponto na reunião, indicando que ao menos no Brasil, enxergava a presença das empresas na parada com bons olhos, pois trazia visibilidade e prestígio a um movimento que ainda era muito marginalizado aos olhos da sociedade brasileira.
O retorno da Parada de São Paulo à Avenida Paulista em 2022 me fez relembrar dessa história, pois tenho escutado cada vez mais aqui no Brasil, aquela crítica que os colegas americanos reportavam na reunião. E nessa última parada onde 6 dos 19 carros eram patrocinados por alguma marca, fica o questionamento: há espaço para orgulho corporativo na parada?
Para alguém que vê tanto valor em diversidade e inclusão, minha resposta será sempre positiva. Mas é necessário compreender qual o papel que as corporações podem prestar na parada. Relembro que a parada LGBTQIAP+ nasceu de uma rebelião. O Stonewall Riot foi um levante de um grupo LGBTQIAP+ que era constantemente atacado e diminuído por forças policiais e que em um belo dia resolveu dizer basta e demandar respeito aos seus direitos. Dessa rebelião decorre, inevitavelmente, o orgulho, pois naquele momento a comunidade LGBTQIAP+ deixa a marginalização que lhe é imposta e com a cara e corpo na rua reafirma a sua individualidade e indica que essa individualidade não aceita ter menos direitos que nenhuma outra.
Assista o vídeo : Instituto [SSEX BBOX] em Stonewall 50 anos!
Entre o Stonewall e hoje, já se vão 53 anos e uma evidente mudança cultural. Paradas como a de NY e São Paulo tomaram dimensões gigantescas e podem parecer mais um momento de celebração que protesto. Contudo, enquanto a população LGBTQIAP+ ainda sofrer marginalização e tiver em alguma medida direitos tolhidos, o caráter rebelioso da parada permanece. Tanto é que após dois anos de hiato de parada, mas sucessivos ataques à comunidade LGBTQIAP+, a parada retornou à Paulista com o tema “Vote com Orgulho”, demandando uma política mais representativa de todas as individualidades representadas por essa sigla que só cresce.
Portanto, as pessoas LGBTQIAP+ são e devem sempre continuar sendo as protagonistas desse momento de visibilidade e reivindicação proporcionado pela parada. Isto não quer dizer, entretanto, que as empresas não devam estar lá. Na promoção dos pilares de diversidade e inclusão, estamos sempre reforçando a importância do papel do aliado, pois seu discurso alcança espaços e interlocutores que não seriam facilmente acessados apenas pelo discurso da pela população LGBTQIAP+. E as empresas podem ser grandes aliados com CNPJs. A força das marcas e prestígio amplificam o discurso em prol da diversidade e inclusão, pois demonstram que a demanda por transformação social não é exclusiva apenas de um grupo minorizado, além de transmitir a esse mesmo grupo a ideia de que há para ele espaço no ambiente daquelas corporações.
Assista o vídeo : QUAL PROBLEMA DA PARADA LGBTQIA+ ?
Mas é preciso separar o joio do trigo e entender que o apoio institucional efetivamente está produzindo resultado e mudança social daquele que está apenas aproveitando da sensação de celebração de junho para promoção parasitária da marca. E esse é o tema do próximo artigo, quando falarei um pouco mais de “rainbow washing”.