COLUNA

Charlie Glickman

[ELE/DELE]

Charlie Glickman PhD é coach de sexo e relacionamentos, educador de sexualidade somática.

Ter Sentimentos

Há uma frase que muitas pessoas usam quando falam sobre seus sentimentos. Na língua inglesa, por exemplo, as pessoas começam suas frases com “I am” –  “Eu sou…”.  Como as pessoas fossem seus sentimentos. 

“I am Angry” – na tradução literal  “Eu sou raiva”, mas o que as pessoas estão tentando dizer é que : Eu estou com raiva. 

“I am Sad” – na tradução literal  “Eu sou triste”, mas o que as pessoas estão tentando dizer é que : Eu estou triste. 

“I am Afraid” – na tradução literal  “Eu sou medo”, mas o que as pessoas estão tentando dizer é que : Eu estou com medo.

Na língua inglesa, a diferenciação entre estados permanentes e transitórios não é realizada por meio de verbos distintos como no português, com “ser” e “estar”. Em inglês, o mesmo verbo “to be” é utilizado em ambos os contextos. Essa peculiaridade gramatical pode ter implicações significativas na maneira como as pessoas percebem e expressam suas identidades e emoções. Por exemplo, ao dizer “I am sad” (Eu sou triste), o uso do verbo “to be” pode sugerir uma identificação mais profunda e estável com a tristeza, comparado ao transitório “Estou triste” em português, que claramente indica uma condição temporária. Essa sutileza linguística pode influenciar como os falantes de inglês internalizam e conceituam seus sentimentos, potencialmente percebendo-os como mais integrados à sua identidade do que meros estados passageiros.

Do ponto de vista gramatical, essas maneiras de expressar emoções não são diferentes de dizer “Estou com fome” ou “Estou pronte para sair da festa”. Mas quando você olha sob a perspectiva de como as pessoas processam sentimentos, há uma grande diferença.

Se eu disser para você “I am Angry” – na tradução literal  “Eu sou raiva”, mas o que as pessoas estão tentando dizer é que : Eu estou com raiva, é fácil para mim equiparar minha raiva com todo o meu ser. Posso esquecer que, embora a emoção seja intensa e esteja consumindo a maior parte ou toda a minha atenção, ela não é tudo o que há sobre mim. Mesmo que o sentimento seja incrivelmente poderoso e consumidor, não é a única coisa que estou experienciando naquele momento. Eu também posso me sentir cansado, triste, sonolento, empolgado, com dor ou distraído. Mas se eu disser “Estou com raiva”, posso facilmente esquecer disso.

Embora isso possa parecer uma minúcia linguística da língua inglesa, a equiparação de quem somos e nossos sentimestos ficam muitas vezes misturados. Descobri que isso tem implicações bastante significativas para como as pessoas navegam por emoções fortes.

Grandes sentimentos muitas vezes parecem ser tudo o que existe.

No calor do momento, é fácil esquecer que as emoções sobem e descem. Quando as coisas ficam intensas, é fácil focar no sentimento mais intenso em detrimento de qualquer outra coisa que você esteja experienciando. Isso é especialmente provável durante inundações emocionais.

Quando isso acontece, você pode comprar a história que criou sobre o que está acontecendo. Isso parece ser especialmente verdadeiro para emoções “negativas” como tristeza, raiva, medo ou vergonha. Não parece acontecer tão facilmente com excitação ou alegria, embora possa. E quando você reforça suas histórias sobre seus sentimentos, quando os equipara com sua identidade inteira, eles podem acabar se sentindo ainda maiores, menos gerenciáveis e mais ameaçadores para o seu bem-estar.

Felizmente, você pode fazer uma mudança fácil na forma como fala sobre suas emoções que evita tudo isso. Em vez de dizer “Eu estou com raiva”, tente dizer “Estou sentindo raiva…”Estou sentindo tristeza. Estou sentindo medo.

A diferença que isso faz pode ser bastante profunda. A emoção se torna uma coisa que você está experienciando, o que deixa espaço para que emoções adicionais também estejam presentes. Isso cria espaço para as complexidades da sua paisagem emocional, em vez de focar apenas na parte mais alta dela.

Essa mudança também torna mais fácil lembrar que, embora os sentimentos possam parecer tudo consumindo, eles não precisam ser. Descrever as emoções como algo que você sente, em vez de algo que você é, pode tornar mais fácil lembrar que você pode abranger os sentimentos, que você pode gerenciá-los e que você pode superá-los. Essa é uma maneira muito mais poderosa de abordar suas emoções porque ajuda você a acessar sua inteligência emocional e sua capacidade de regular seus sentimentos, em vez de deixá-los correr soltos. Se você tentar fazer essa mudança na forma como fala sobre suas emoções, pode achar útil descrevê-las de maneira mais fluida do que fixa. 

Existem outras frases que ouvi pessoas dizerem, incluindo:

  • Estou percebendo muita preocupação surgindo para mim. 
  • Estou tendo alguma raiva sobre isso. 
  • Estou reconhecendo alguma tristeza surgindo. 

Estas são algumas maneiras mais matizadas de dizer a mesma coisa, e pode ser útil ter algumas frases alternativas. Mas se elas parecerem forçadas ou estranhas, fique com “Estou sentindo…” e perceba se algo muda com o tempo. Tente e veja se faz diferença para você. Algumas pessoas não percebem isso para si mesmas, mas descobrem que seus parceires, amigues e familiares respondem de forma diferente.E algumas pessoas me disseram que não viram nenhuma mudança no início, mas depois de tentar isso por algumas semanas, ajudou-os a ter um melhor controle sobre suas emoções. Como é frequentemente o caso, você pode precisar de algum tempo para obter resultados.

Eu costumo descobrir que mudar a forma como falamos sobre nossas emoções pode mudar como as experienciamos e como as superamos. Embora essa abordagem específica não funcione para todes, ela tem sido útil para pessoas suficientes para que você possa descobrir que vale a pena experimentar.

COLUNISTA

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Charlie Glickman

[ELE/DELE]

Charlie Glickman PhD é coach de sexo e relacionamentos, educador de sexualidade somática, bodyworker sexológico e palestrante de renome internacional. Ele trabalha nesta área há mais de 30 anos, e algumas de suas áreas de foco incluem sexo e vergonha, positividade sexual, questões queer, masculinidade e gênero, comunidades de afiliação erótica e muitas práticas sexuais e relacionais. Charlie também é coautor do livro “The Ultimate Guide to Prostate Pleasure: Erotic Exploration for Men and Their Partners” (O Guia Definitivo para o Prazer da Próstata: Exploração Erótica para Homens e Seus Parceiros). Em fevereiro de 2023, Charlie completou um processo transformador de accountability. Para mais informações sobre ou para aprender sobre suas sessões de coaching, visite www.makesexeasy.com
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