COLUNA

Lucia Leão

[ELA/DELA]

Lucia é autora do guia “Inteligência Artificial Generativa: Modo de Usar”

Você já saiu da sua bolha, hoje?

Trago hoje, aqui, uma versão computacional do caetanês: “Narciso acha feio o que não é espelho.” Na era digital, as câmaras de eco são cavernas em que vivemos imersos, ouvindo a nossa própria voz amplificada à exaustão. E achamos horroroso o que não nos ecoa. Nesse coral do pensamento único, nossas ideias e opiniões ressoam harmonicamente, porém no mesmíssimo tom. Nas comunidades online, os algoritmos amplificam as vozes semelhantes e silenciam o coro da divergência. Por isso são câmaras de eco. Óbvio. 

No mundo digital – e também no analógico – estamos sempre inclinados a buscar um refúgio acolhedor naqueles que compartilham os mesmos valores e crenças. Até aí, ok! Buscamos todos um real senso de comunidade e pertencimento. Buscamos reforçar nossas convicções e construindo uma identidade social coesa. 

Até que ponto? Ou a que preço?

Essa cantoria da homogeneidade pode transformar-se em uma cacofonia da exclusão (cacofonia: substantivo feminino que significa som feio ou desagradável)

Ao silenciar vozes divergentes, as câmaras de eco criam bolhas de informação que limitam nossa exposição a perspectivas outras e podem levar à radicalização. Uma falta de diversidade cognitiva que impede o debate crítico, essencial para o desenvolvimento de ideias inovadoras e a resolução de problemas complexos e conflitos cotidianos. 

“E fostes um difícil começo, afasta o que não conheço…”

As câmaras de eco em que estamos expostos a informações e opiniões que confirmam nossas próprias crenças e visões de mundo, são um terreno fértil para todo tamanho de preconceito. No contexto das pessoas LGBTQIA+, essas câmaras podem ter um impacto negativamente profundo. 

Explico.

  O primeiro deles é uma crescente desumanização e invisibilidade das pessoas e dos movimentos que lutam contra todas as formas de homofobia, lesbofobia e transfobia. E o motivo? O mundinho fechado da falta de exposição a perspectivas diversas nas nossas câmaras de eco hermeticamente fechadas.    

Quando não vemos nem convivemos com histórias individuais, rostos e experiências reais, é mais fácil ecoar o preconceito. Pessoas que vivem e pensam diferentemente de nossas bolhas podem ser reduzidas a meros conceitos abstratos, em vez de serem vistas como seres humanos com vidas complexas, emoções, batalhas e dignidade.

“E à mente apavora o que não é mesmo velho…”

É ainda pior quando essas câmaras de eco abrigam discursos de ódio. Quando pessoas com preconceitos, vieses e intolerância aguda se reúnem, isso pode resultar em ataques verbais e hostilidade em relação a pessoas que não fazem eco a suas vozes. Nas redes sociais, ainda temos o anonimato online que permite que o discurso de ódio se multiplique em proporções catastróficas.

O certo é que as piores pessoas estão escondidas no anonimato, sim, para poder revelar suas verdadeiras faces do mal e ainda ser replicadas nas suas particulares e obscuras câmaras de eco. 

Não interagir de forma orgânica e tranquila com as diversidades, só tem um desfecho: a falta de empatia e compreensão devidas a quem merece o mesmo respeito e dignidade que você. Quando estamos com os nossos ouvidos fechados para as histórias e experiências das pessoas relegadas à invisibilidade ou sub-representadas, não temos como desenvolver empatia ou questionar nossos próprios preconceitos e vieses. 

Dessa forma, as câmaras de eco amplificam o preconceito contra pessoas LGBTQIA+ ao criar bolhas de opiniões e informações que reforçam visões estigmatizantes e desumanizadoras. Reforçam estereótipos em vez de combate-los. Levam à polarização das opiniões e à radicalização de grupos, intensificando o discurso de ódio e a divisão social.

Os algoritmos de recomendação e personalização têm um papel relevante nesse círculo vicioso. Se você segue páginas ou grupos com visões políticas e moralidades semelhantes às suas, seu feed de notícias só mostrará conteúdo alinhado com essas visões. É mais uma câmara de eco crescendo e se alimentando na sua timeline.  Digerem no seu feed os algoritmos que moldam a sua experiência nas redes sociais, priorizando conteúdos que se alinham com suas crenças, reforçando a homogeneidade e dificultando o contato com ideias contrárias e com outras visões de mundo.

“Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços. Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva”…

Combater as consequências danosas das câmaras de eco é crucial para promover uma sociedade mais informada, empática e diversificada. É essencial buscar outras perspectivas e educar-se para combater os efeitos negativos das câmaras de eco e das bolhas de confirmação em que vivemos digitalmente – ou ao vivo e a cores. 

Estamos todos carentes de exposição à diversidade de ideias. Estamos completamente surdos pelos ruídos da desinformação e pelas vozes discordantes. Cabe a toda sociedade, portanto, substituir as câmaras de eco pelas pontes entre mundos diversos, promovendo o diálogo, a compreensão mútua e a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. 

Acredito – e talvez esteja solitária nessa crença – que com o uso benéfico da tecnologia e da inovação, podemos lutar por um futuro onde todas as vozes sejam ouvidas e valorizadas através de um diálogo construtivo e enriquecedor. Se você é hétero, eduque-se. Aprenda sobre grupos invisibilizados e suas experiências. Desconstrua estereótipos. Confronte o preconceito. Discurso inclusivo só vale quando não fica só no discurso. Porque “nada do que não era antes quando não somos mutantes”. Mudar para existir é da natureza. Sejamos humanos.

COLUNISTA

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Lucia Leão

[ELA/DELA]

Com quatro décadas de experiência em jornalismo, produção audiovisual e gestão de equipes, Lucia Leão tornou-se referência na indústria da comunicação. Aos 60 anos, realizou uma transição corajosa para a Inteligência Artificial Generativa. Atualmente, suas palestras e contribuições como professora voluntária na Escola da Nuvem refletem sua paixão pela disseminação do conhecimento. Além de cursar um MBA em produção audiovisual e mestrado em GenAI, Lucia é autora do guia “Inteligência Artificial Generativa: Modo de Usar”, destacando-se na promoção da IA para o bem. Sua abordagem incide sobre confiança, responsabilidade, inclusão e segurança no desenvolvimento e utilização de ferramentas de IA.
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No Instituto [SSEX BBOX] realizamos projetos e advocacy que visam destacar a diversidade, inclusão e a equidade sobre os temas de gênero, sexualidade, população LGBTQIAP+, raça, etnia e pessoas com deficiência.

As ações do Instituto incluem apresentar ferramentas, conteúdos educacionais, e soluções estratégicas visando o exercício do olhar interseccional para grupos sub-representados. Nossas atividades tiveram início em 2009, a partir de uma série de webdocumentários educacionais que exploram temas da sexualidade e gênero para promover mudanças sociais com base nos direitos humanos.

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