COLUNA

Ubiraci Pataxó

[ELE/DELE]

Aprendeu a respeitar e valorizar todo tipo de vida, e reconhecer que a força está em nossa união.

365 dias de índio

O que o dia 19 do 04 será para você? O que o 19 de abril é para o Brasil?

5 milhões era a quantidade e hoje um pouco mais de um milhão é a verdade. Os números para um matemático é poesia, para “mim” acadêmico indígena é a mais triste melodia, melodia ressignificada com som de nossa voz, abafada∕emudecida com o toque dos maracás e revigorada com a força de nosso canto, encanto e do cantar.

Existir e resistir um dia foi uma escolha, hoje é uma grande necessidade. Hoje abraçados no seio familiar, para aqueles que as tem, o legítimo brasileiro reavalia seu palácio e pensa em seu reinado. É notório que o colonizador já saiu desse lugar, entretanto o Brasil não saiu de seu colonizador, idolatra-o, exaltá-o e, mais uma vez suas naus encontram-se à deriva na dependência da hipocrisia real e ainda não vê que o maior castelo imperial é a essência de seu povo.

Ah se você Brasil, conhecesse nosso Pindorama (nome dado a este chão antes dos portugueses) e pudesse enxergar com nossos olhos a chama que arde em cada guerreiro e guerreira. Ah querido Brasil, se você soubesse que um guerreiro faz aquilo que é necessário fazer, você ensinaria de maneira direta e coerente quem foi e quem é Davi Ianomamy, Raoni, Ailton Krenak, Célia Xakriabá, Sonia Guajajara, Pajé Itambé e tanto outros heróis e heroínas de carne de carne e osso. E hoje, estando neste lugar, talvez dessa maneira, entenderia e só assim faria sentido cantar “verás que um filho teu não foge a luta” e “nem teme quem te adora a própria morte”, ajudaria a compreender que deve ter algo de errado quando meu herói veste a armadura da chuteira.

Querido Brasil, a cada dia 19 de abril cantamos a saudade dos mortos, mas também celebramos a existência dos vivos; nosso desejo é colocar-te no colo, linda criança, ao redor de uma fogueira e contar-lhe sua verdadeira história para que lhe salte o brilho nos olhos e percebas que sua grandeza não está nos tesouros já embarcados nos mares, que somos sim “gigantes pela própria natureza”, que nossos bosques ainda têm mais vidas, que nossa vida, em teu seio há existência de amores.

Descobrir, desdenhar, desenvolver, desqualificar, desacreditar, desconfiar, são verbos, ações, palavras iniciadas com um prefixo de negação (des), ideias trazidas por inquilinos que não foram convidados, descobriram-te Pindorama e ao tirar sua cobertura deixaram-te a lama. Era pra existir ordem, porém, não vemos outra coisa senão a desordem, ainda existe o progresso, esse rolo compressor é a prova cabal da mais fina herança cabralina dos “cabraiszinhos” da colonização moderna. Nossos espíritos sentem saudades do último e mais festivo “dia do índio”, comemorado em 19 de abril de 1500, três dias antes da famosa chegada. E nessa “chegança” você comemora o dia do soldado e tenta nos fazer sentir imigrantes ainda no útero de nossa mãe, sem se dar conta de que o maior e melhor exército deste solo, atira diariamente flechas flamejantes de espiritualidade, amor e respeito ao que tanto vende e compra.

Para você fiel autêntico brasileiro europeu comedor de carne, que adora açaí, apreciador de milho, pipoca, tapioca, chocolate entre outras especiarias, eu sou sobrinho, irmão, neto, filho e pai descendente desta nação, somos o suprassumo da resistência e a diversidade da existência, porque PINDORADA VIVE em cada um de nós, inclusive em você.

COLUNISTA

Ubiraci Pataxó_site

Ubiraci Pataxó

[ELE/DELE]

Ubiraci Silva Matos pertence ao povo Pataxó da aldeia de Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, na Bahia – maior aldeia urbana da América Latina, muito famosa por ter sido palco da invasão portuguesa neste solo chamado Pindorama, conhecido como Brasil. Quando apresenta-se como Ubiraci Pataxó, sabe que está falando por toda uma comunidade, por todo um povo, por toda uma cultura. Ele é um jovem mestre do saber e aprendiz de pajé, graduado em Ciência da Natureza e Matemática, no curso de Licenciatura Intercultural Indígena, pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia. Também formado em Terapia Comunitária Integrativa (TCI), Massoterapia e Técnica em Resgate da Autoestima pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com o Movimento Integrado de Saúde Comunitária Quatro Varas (MISMEC – Projeto 4 Varas). Atua como pesquisador nos projetos “Saúde Coletiva e Epistemologias do Sul e Interculturalidades”, na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) em parceria com Universidade de Coimbra, em Portugal e formador em Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa no Polo de Cuidados Korihé em Santa Cruz Cabrália/BA e na Europa pela Réseau Européen de Thérapie Communautaire Intégrative. Também é membro do Comitê de Saúde Mental do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integral (CABSI), do grupo de pesquisa “Teia das 5 Curas – Todos Nós Somos Parentes”, que envolve povos indígenas no Brasil, Peru, México e Canadá, com enfoque nas cinco curas (pensamentos, sentimentos, relações, ciclos ecológicos e trocas econômicas), da Associação Brasileira de Psiquiatria Social (APSBRA) e membro da Associação Brasileira de Terapia Comunitária Integrativa Sistêmica (ABRATECOM). Em toda a sua história, ele aprendeu a respeitar e valorizar todo tipo de vida, e a reconhecer que a força do nosso povo está em nossa união e de que “um” não pode ser mais forte de que todos nós juntes.
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