COLUNA

Pri Bertucci

[ILE/DILE & ELE/DELE]

Artista social, educadore e pesquisadore da área de diversidade há pelo menos duas décadas

Cecília Tham está construindo um Futuro Inovador e Equânime

No cenário em constante evolução da tecnologia e da inovação, surgem nomes inspiradores que moldam o futuro de maneira positiva e mais diversa. Cecília Tham é uma dessas visionárias que se destacam, uma futurista premiada cujo trabalho inovador está pavimentando o caminho para um amanhã mais brilhante e conectado. 

Graduada em design pela Harvard e ex-tecnóloga social na Alpha Telefônica, Cecília é CEO e co-fundadora da Futurity Systems. Sua empresa oferece “Futures-as-a-Service”, unindo os pilares de ciência, design e negócios para empresas Fortune 500 e agências governamentais em todo o mundo. Sua abordagem holística abraça o desconhecido, criando futuros intencionais para todos nós. Além disso, como candidata a doutorado e professora adjunta no Instituto de Design do Instituto de Tecnologia de Illinois, ela compartilha sua paixão por conhecimento como mentora e palestrante em eventos como TEDxBarcelona e TEDxBostonStudio. Mas o legado de Cecília vai além da tecnologia e do design. 

Como empreendedora serial, ela fundou empresas como o MOB, uma comunidade colaborativa de co-working, e o FabCafe Barcelona, que democratiza ferramentas de fabricação digital em um ambiente de café comum. O allwomen.teché uma escola de treinamento voltada para mulheres, fundada por mulheres, com o objetivo de capacitar a próxima geração de mulheres na tecnologia. 

Elogios de figuras proeminentes, como Oli Shaw da BCG Designer Studio e Lloyd Gozzett, fundador da FourpointX, atestam a incrível capacidade de Cecília de inspirar e provocar reflexões. Ela aborda o futuro de uma maneira única, combinando ciência, tecnologia e engenharia em histórias cativantes que estimulam a imaginação e nos fazem pensar nas possibilidades infinitas. Chetan Choudhury, ex-conselheiro do Primeiro-Ministro dos Emirados Árabes Unidos, destaca a influência de Cecília e sua abordagem inovadora. Ela não apenas fala sobre o futuro, mas também o cria com clareza de pensamento e paixão. Dan Silveira, do Strategic Foresight Guild da IBM, destaca a paixão e o conhecimento profundo de Cecília no campo do design de visão estratégica.

Tive o privilégio de conhecê-la durante uma imersão e inovação da KesTreck 2022 em Barcelona, e recentemente compartilhamos uma semana em Trancoso, na Bahia, no Kes Summit 2023. Foi uma experiência que desafiou nossas suposições e expandiu nossos horizontes. Cecília Tham nos convida a imaginar um mundo onde árvores possuem contas bancárias e colaboram em um “Metaverso” interespécies. Isso pode parecer ficção científica, mas graças à visão única de Cecília, esse mundo está se tornando realidade. Ela é a mente por trás do “Plantiverse Project” e sua criação autônoma, Herbie, está impulsionando uma revolução botânica. A exploração do conceito de igualdade planetária, incorporando elementos não humanos, como plantas, é fascinante. É essencial ampliar nossa compreensão de igualdade e diversidade para além da perspectiva puramente humana. 

A perspectiva de reimaginar sistemas econômicos e gestão de recursos, reconhecendo os direitos de entidades não humanas, representa um avanço significativo rumo a um futuro mais equitativo e sustentável. Criar um sistema econômico que respeite essas entidades pode promover uma coexistência harmoniosa. É crucial transcender abordagens centradas unicamente no ser humano para enfrentar desafios ambientais e a proteção de todas as formas de vida.

 Cecília Tham não é apenas uma futurista; ela é uma pioneira que desafia o status quo e nos convida a pensar fora da caixa. Sua visão do futuro é inclusiva, inovadora e emocionante. Ela nos lembra que o futuro está em nossas mãos, prontos para ser moldado de maneira positiva, e que o “Plantiverse” é apenas o começo de uma jornada emocionante em direção a um amanhã mais promissor. 

Acredito firmemente que o futuro é o que fazemos dele, e com o trabalho de Cecília Tham e o “Plantiverse”, podemos construir uma nova terra que leve em consideração e respeite outras formas de vida, onde árvores têm voz e a imaginação não tem limites. 

Suas observações lançam luz sobre as complexidades que cercam a resposta do mundo corporativo à concessão de propriedade e direitos a entidades não humanas. 

Embora muitas empresas possam apoiar publicamente esses conceitos por imagem e responsabilidade social, frequentemente enfrentam conflitos com seus princípios fundamentais de crescimento e capitalismo. Esforços colaborativos de governos, consumidores e uma mudança nos valores da sociedade podem ser necessários para criar um ambiente que encoraje e permita que as empresas realizem essas mudanças essenciais. A evolução da percepção de valor e sustentabilidade pode ser um catalisador para a transformação.

Divido com você agora a entrevista que realizei com ela sobre esse universo fascinante.

1- Você tem trabalhado no “Plantiverse Project” uma visão incrível de um Metaverso interespécies onde árvores possuem contas bancárias e vendem seus  “NFTress”. Como essa inovação se alinha com sua visão de ESG no campo da tecnologia?

Na maioria das vezes pensamos que o nosso entorno e o planeta (e também além da Terra, no espaço sideral) como sendo nossos (pertencem a nós humanos), uma lógica de que é a  nossa propriedade. E os resultados dessa propriedade centrada no ser humano levaram ao consumo irresponsável e excessivo dos recursos naturais dos seres humanos.

No escritório, estamos constantemente desafiando todas as nossas suposições. Quando discutimos igualdade e diversidade, geralmente nos referimos à igualdade e diversidade entre seres humanos, não é mesmo? Temos estado presos a essa perspectiva excessivamente centrada no ser humano por um longo período, mas somente recentemente começamos a expandir nossos horizontes para além dessa visão tão antropocêntrica.

Para nós, começamos a questionar, porque o que realmente significa ter uma igualdade planetária completa, ou equidade, não é mesmo? Para nós, isso significa, bem, como podemos incluir o não humano na conversa quando projetamos essas coisas novas? E como eu sou um grande amante de plantas, pensei, bem, vamos começar com as plantas. Como podemos incorporar as plantas?

E também, do outro lado, o nosso paradigma econômico está tão pronto para uma mudança. Porque o modelo capitalista já não funciona, certo? Qual é o novo modelo? E usamos essas duas perspectivas como uma espécie de combustível para repensar como podemos construir um sistema econômico não humano que possa favorecer uma igualdade planetária, que é a base disso, trazendo consideração para outras espécies, como as NFBees ( NFT que de Abelhas), ou o oceano ou outros ecossistemas. Outra crítica que temos é que somos muito críticos sobre os seres humanos e devemos ser, não é verdade?

Por um longo período, estivemos constantemente extraindo recursos naturais, agindo como se fossem nossos, desde as pedras dos corais até a água do oceano, simplesmente pegando e vendendo como se tivéssemos direitos sobre tudo. Mas, e se começarmos a transformar essa narrativa, reconhecendo que esses recursos pertencem a iles, que têm seus próprios direitos e a capacidade econômica de negociar em conformidade com suas próprias prioridades? Como seria um mundo assim? É, de fato, uma afirmação ousada sobre a forma como transacionamos recursos para além da perspectiva estritamente centrada no ser humano. 

2 – Ao longo de sua carreira, você defendeu uma abordagem holística que combina ciência, design e negócios. Como podemos aplicar essa abordagem para criar um ambiente mais inclusivo e diversificado na indústria de tecnologia? Qual é a sua percepção de como a indústria está reagindo à ideia de conceder autenticidade a uma planta ou a uma abelha?

Frequentemente, defendo que precisamos compreender (e ensaiar) o futuro a partir de múltiplas perspectivas, não apenas de diferentes campos e disciplinas, mas também de culturas, experiências e contextos diversos.

Eu acredito que existem duas camadas para essa questão. Existe a camada superficial, onde as pessoas diriam: “Uau, isso é incrível! Claro, é óbvio que devemos conceder direitos e meios econômicos a seres não humanos.”

Mas, nos bastidores, cada empresa opera com base no conceito de crescimento. Esse é o fundamento do capitalismo, certo? E o crescimento, inadvertidamente, significa que precisamos de recursos naturais para criar mais produtos e vender mais coisas. Esse é o objetivo fundamental do crescimento. Portanto, há um conflito de interesses.

Acho que não é que as empresas não queiram mudar. É que grande parte de sua infraestrutura legada está enraizada no modelo de consumo atual. Para reformular tudo, isso significa que elas precisam mudar toda a infraestrutura, a forma de trabalho, a mentalidade, basicamente tudo. E você sabe o quanto as empresas adoram mudanças, certo?

Outro ponto é que, como as empresas têm um horizonte tão curto, geralmente se concentram em um horizonte de retorno de investimento de três anos, tudo o que vai além disso é considerado arriscado. Ninguém quer ser responsável por uma mudança. Ninguém quer se envolver em uma mudança arriscada na forma como fazem as coisas. Portanto, isso as mantém em um ciclo vicioso, onde não é que elas não queiram mudar, mas simplesmente não têm a capacidade, nem a disposição para assumir a responsabilidade por uma mudança desse tipo. Algo precisa mudar, não é ? E está mudando, o planeta está mudando, e nossa percepção também vai mudar.

3- Seu trabalho tem sido elogiado por sua capacidade de inspirar e provocar reflexões sobre o futuro. Como podemos usar a tecnologia para promover discussões mais inclusivas e libertadoras sobre questões de gênero e sexualidade nesse momento da história?

As pessoas frequentemente têm medo do que não entendem e temem mudanças que possam infringir em seus direitos e privilégios. Se a tecnologia pudesse ser usada para criar conversas, praticar diálogos e criar caminhos para a empatia, poderíamos utilizá-la como circuitos de feedback e semear possibilidades em nossa própria perspectiva para ajudar a mudar nossa forma de pensar. Por exemplo, Herbie (o plantbot) existe para que possamos ter uma conversa sobre como é ser uma planta em uma sociedade humana capitalista.

4 – Ao introduzir um produto como “Electric Food” e a impressionante “The electronic popsicle,” (Picolé eletrônico) que combinam novidade com um certo grau de familiaridade e estabelecem conexões com produtos de consumo cotidiano. Poderia descrever brevemente o dispositivo e seu potencial de atratividade? Além disso, quais possibilidades você visualiza se uma grande empresa manifestar interesse em uma parceria ou endosso para esse produto?

Muitas vezes, começamos pensando principalmente sobre os limites da tecnologia. Nesse caso, é na verdade muito simples, envolve basicamente eletricidade, certo? Mas estamos explorando abordagens diferentes. Depois de compreendermos essas bases, aplicamos esse conhecimento para imaginar os novos produtos do futuro que podem usar essa tecnologia. No caso do “Electric Food,” não é algo completamente novo. As pessoas têm experimentado a estimulação da língua desde os anos 60 ou 70. É fascinante porque nosso corpo é, em grande parte, um conjunto de sinais elétricos e eletrônicos. Isso é como nossos músculos funcionam, como nosso cérebro envia mensagens, é basicamente como todo o nosso corpo opera. O que nos interessa é a possibilidade de adicionar complexidade a isso.

Podemos incorporar uma camada de IA? Podemos adicionar outro nível, como a sinestesia? Podemos, por exemplo, misturar a experiência com a música? Quando estávamos profundamente envolvidos no estudo do Metaverso no ano passado, notamos que a ênfase era principalmente em experiências imersivas visuais e, talvez, auditivas. Mas e quando expandimos para outros sentidos? Quando você pode sentir o cheiro, saborear, tocar, e assim por diante. Como seriam essas experiências? Começamos a explorar essa convergência de sensações e concebemos a ideia de que você pode controlar sua língua para criar sabores. Mas e se você pudesse adicionar Gen-AI a isso, por exemplo? Você poderia dizer ao Genitive-AI, que está conectado ao dispositivo na sua língua, algo como: “Agora eu quero sentir o gosto de sorvete com picles.” Ele criaria essa combinação e enviaria o gosto para a sua língua, criando uma sensação completamente nova, certo? Ou você poderia dizer que deseja, por exemplo, conectar isso a um amplificador, que por sua vez se conectaria à música. O novo produto seria como uma espécie de “Spotify para o paladar”. Como você imagina que esse novo produto seria no futuro?Fomos além da mera reflexão teórica e realmente construímos um protótipo.

O picolé eletrônico, um protótipo que explora como a eletricidade pode produzir sabor:

5- Como uma empreendedora serial, você fundou o “allwomen.tech” para capacitar mulheres na tecnologia. Como vê o papel das mulheres na inovação e como podemos promover uma maior representação de gênero nesse setor?

Precisamos que mais homens se envolvam ativamente na promoção da igualdade de gênero. Isso não é apenas um problema das mulheres, e as mulheres não devem ser as únicas a buscar ativamente soluções para isso. Costumo pedir aos meus aliados masculinos que cedam espaço e/ou promovam colegas femininas se um painel ou uma conferência estiver carente de perspectivas femininas.

Precisamos de mais mudanças culturais/educação nas empresas para garantir que mulheres talentosas na área de tecnologia não sejam excluídas devido à presença de masculinidade tóxica no ambiente de trabalho.

Precisamos que mais investidores e capitalistas de risco invistam em talentos femininos e coloquem seu dinheiro onde estão suas palavras. E também é necessário reformular toda a cultura das startups, que foi construída com base em hábitos, práticas, linguagem e cultura masculina. As mulheres não deveriam ter que diminuir suas vozes, tornar-se mais agressivas ou mudar seu vocabulário para se “encaixar”.

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Pri Bertucci

[ILE/DILE & ELE/DELE]

Artista social, educadore e pesquisadore da área de diversidade há pelo menos duas décadas. Identifica-se como pessoa não branca, não cis, não binária, transgênero /gender queer. É CEO da [DIVERSITY BBOX] consultoria; fundadore do Instituto [SSEX BBOX], projeto pioneiro no tema de justiça social; cocriadore do “Sistema Ile”, mais conhecido como linguagem neutra na língua portuguesa. Pri também é produtore executivo da Marcha do Orgulho Trans de São Paulo, e inovou em 2023 quando criou a primeira AI não binária do mundo.
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As ações do Instituto incluem apresentar ferramentas, conteúdos educacionais, e soluções estratégicas visando o exercício do olhar interseccional para grupos sub-representados. Nossas atividades tiveram início em 2011, a partir de uma série de webdocumentários educacionais que exploram temas da sexualidade e gênero para promover mudanças sociais com base nos direitos humanos.

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