COLUNA

Pri Bertucci

[ILE/DILE & ELE/DELE]

Artista social, educadore e pesquisadore da área de diversidade há pelo menos duas décadas

Reconhecer, integrar e transformar

Na experiência humana, somos frequentemente confrontados com impulsos, desejos, ideias ou vontades que nem sempre estão alinhados com os princípios éticos, morais ou espirituais que buscamos seguir. Esses momentos de conflito interno nos convidam a uma reflexão profunda: como lidar com essas forças que emergem de nossa sombra? Negá-las ou fingir que não estão lá é inútil; o verdadeiro caminho está em reconhecê-las, integrá-las e transformá-las. A nossa zona de conforto é um lugar bonito, mas nada realmente cresce lá! Essa é, talvez, uma das razões fundamentais para estarmos aqui, vivendo a experiência terrestre.

Ao longo da história, diferentes tradições e pensadores abordaram a questão do mal e sua contenção, não como algo que deve ser eliminado, mas como algo que deve ser compreendido e integrado.
Esse é um convite para explorarmos como essas ideias se manifestam na filosofia, religião, psicologia e arte.

O Mal e a Filosofia: Reflexão e Contenção

Hannah Arendt e a banalidade do mal

Hannah Arendt, em Eichmann em Jerusalém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal, propõe que o mal nem sempre surge de intenções malignas, mas da ausência de pensamento crítico e responsabilidade. Arendt nos alerta que a contenção do mal exige reflexão e ação, pois a passividade frente a atos prejudiciais pode perpetuar sistemas de opressão e injustiça.

Freud e a pulsão de morte

Na psicologia freudiana, o mal pode ser associado à pulsão de morte (Thanatos), uma força instintiva que nos leva à destruição, à agressividade e à repetição compulsiva de padrões destrutivos. Para Freud, a contenção dessas forças não passa por sua negação, mas por sua sublimação: transformar impulsos destrutivos em criações artísticas, intelectuais ou sociais que beneficiem o indivíduo e a coletividade.

Hermes Trismegistus e as Tábulas de Esmeralda

Na tradição hermética, atribuída a Hermes Trismegistus, o mal é compreendido como um desvio da harmonia universal e da verdade divina. Em textos como o Corpus Hermeticum, e as Tábulas de Esmeralda, o mal não é descrito como uma força autônoma, mas como a ausência de bem, um desequilíbrio que deve ser corrigido por meio do autoconhecimento, da elevação espiritual e do alinhamento com as leis universais.

As Tábulas de Esmeralda, em particular, oferecem uma perspectiva esotérica sobre o mal, a dualidade e a transformação, destacando os princípios herméticos que regem o universo. Esses princípios enfatizam o equilíbrio entre opostos, como luz e escuridão, espírito e matéria, e a transcendência da dualidade como caminho para a iluminação. Nesse contexto, conter o mal exige que o indivíduo reconheça sua conexão com o todo e atue como mediadore entre os opostos, alinhando-se com a sabedoria cósmica. Isso é sintetizado no célebre princípio hermético: “Assim como é em cima, é embaixo; assim como é dentro, é fora.”

Essa visão integradora reforça a ideia de que a harmonia universal só pode ser alcançada ao transcender os desequilíbrios, permitindo que o indivíduo se alinhe com o fluxo natural do universo.

Esse ensinamento nos convida a enfrentar as forças caóticas da vida, tanto internas quanto externas, não como algo a ser destruído, mas como algo a ser harmonizado. Para pessoas que praticam hermetismo, a verdadeira transformação ocorre quando a consciência humana transcende as limitações da dualidade e se alinha com o Uno, a fonte de toda criação.

O Mal e a religião: resistir e transformar

Cristianismo: O mal como prova de Fé

No cristianismo, o mal é entendido como a manifestação de forças contrárias ao bem. Nesse contexto, cabe ao ser humano resistir ao mal por meio da virtude, da fé e da prática do amor. A transformação é alcançada pela superação do “pecado” através do arrependimento. No entanto, essa perspectiva reforça a crença na dualidade entre bem e mal, muitas vezes acompanhada de uma visão punitivista e da negação constante do mal como parte intrínseca da experiência humana.

Budismo: O Sofrimento e a ignorância

No budismo, o mal está ligado ao sofrimento gerado pela ignorância, pelo desejo e pelo apego. Contê-lo significa disciplinar a mente, cultivando compaixão e sabedoria, e reconhecendo que as forças destrutivas fazem parte da experiência humana, mas podem ser transcendidas.

O mal na psicologia: A sombra e a integração

Carl Jung: reconhecer e integrar a sombra

Jung introduz o conceito da sombra como os aspectos reprimidos e negados de nosso inconsciente. Segundo ele, “não se torna iluminado imaginando figuras de luz, mas conscientizando a escuridão”. Para Jung, conter o mal é enfrentar a sombra, reconhecendo-a como parte de quem somos e transformando-a em força criativa e integradora.

Freud: Sublimação e o encontro com o inconsciente

Freud nos lembra que desejos e impulsos reprimidos tendem a retornar de forma mais destrutiva. Sua proposta para a contenção do mal interno é a sublimação, onde forças potencialmente destrutivas são redirecionadas para a arte, a ciência ou a espiritualidade.

O Mal na arte: reflexos e transformações

Hermes Trismegistus e a arte Hermética

Ainda na tradição hermética, a arte é uma ferramenta de transformação e conexão com o divino. Obras que incorporam a alquimia e o simbolismo hermético buscam transcender o mal e alcançar a unidade com o todo. Hermes nos ensina que a arte é um espelho de nossa alma e um meio para reconectar com o equilíbrio cósmico.

Literatura: Dostoiévski e a complexidade do mal

Em Os Irmãos Karamázov, Dostoiévski apresenta o mal como parte intrínseca da condição humana. Seus personagens nos mostram que a redenção só é possível quando confrontamos nossas próprias trevas e aceitamos a responsabilidade por nossas ações.

Cinema: A Jornada do Herói

Muitas narrativas cinematográficas refletem a ideia de conter e transformar o mal. Em O Senhor dos Anéis, por exemplo, o Um Anel simboliza a força corruptora do mal, que só pode ser destruída através da coragem, do sacrifício e da amizade.

A Contenção do mal e o propósito humano

A experiência terrestre nos convida a lidar com a dualidade e a complexidade do bem e do mal, luz e sombra, direita e esquerda. Em vez de negar nossas sombras, devemos enfrentá-las com coragem, transformando-as em forças que nos impulsionam em direção ao crescimento e à sabedoria. Este é o verdadeiro trabalho da vida: reconhecer, integrar e transformar. Ao fazermos isso, não apenas contemos o mal, mas nos tornamos cocriadories de um mundo mais harmônico e equilibrado.

COLUNISTA

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Pri Bertucci

[ILE/DILE & ELE/DELE]

Artista social visionárie e pós-ativista, dedicou mais de duas décadas trabalhando na interseção da diversidade, empreendedorismo e arte. Pri atua como CEO da [DIVERSITY BBOX], consultoria especializada em educação e inovação, é fundadore do Instituto [SSEX BBOX], um projeto pioneiro sobre gênero e sexualidade que tem sido uma plataforma para justiça social em San Francisco, São Paulo, Berlim e Barcelona desde 2009. Pri também é reconhecide como um dos principais pioneiros do acrônimo LGBTQIA+ no Brasil desde 2013. Como palestrante, educadore e pesquisadore de renome internacional, Pri tem um compromisso profundo com o fomento do pertencimento e compreensão através das fronteiras culturais e pessoais. Identifica-se como pessoa não branca, trans não binário/genderqueer e desafia as normas sociais. Celebrado internacionalmente como o pioneiro e co-criador do “SISTEMA ILE”, o primeiro pronome de linguagem neutra em português, Pri facilitou ativamente a introdução do sufixo neutro ‘E’ em palavras da língua portuguesa. Pri Bertucci é ganhadore dos Prêmios TikTok 2022 e dos Prêmios da Fundação Brasil 2020. Ile também foi indicade para o Outie Awards “Global LGBTQ+ Advocate of the Year” durante o Out & Equal Summit 2022, o maior evento LGBTQIA+ do mundo. Como idealizadore e produtore executivo da Marcha do Orgulho Trans de São Paulo — primeira Trans Pride no Brasil — Pri Bertucci emprega suas habilidades criativas e artísticas para impulsionar mudanças sociais. Seu trabalho, integrando arte multimídia, uma abordagem somática e Comunicação Não Violenta (CNV), fomenta colaborações com pessoas e organizações nas comunidades, promovendo novas perspectivas e comportamentos enquanto desafia as normas sociais. Em 2023, fez uma contribuição significativa quando criou o primeiro tradutor de linguagem neutra e participando da criação da primeira inteligência artificial generativa não binária do mundo.
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No Instituto [SSEX BBOX] realizamos projetos e advocacy que visam destacar a diversidade, inclusão e a equidade sobre os temas de gênero, sexualidade, população LGBTQIAP+, raça, etnia e pessoas com deficiência.

As ações do Instituto incluem apresentar ferramentas, conteúdos educacionais, e soluções estratégicas visando o exercício do olhar interseccional para grupos sub-representados. Nossas atividades tiveram início em 2009, a partir de uma série de webdocumentários educacionais que exploram temas da sexualidade e gênero para promover mudanças sociais com base nos direitos humanos.

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