COLUNA

Pri Bertucci

[ILE/DILE & ELE/DELE]

Artista social, educadore e pesquisadore da área de diversidade há pelo menos duas décadas

Umbandas: Uma História do Brasil

Retornando à minha coluna em 2024 com um mergulho nas páginas de “Umbandas: Uma História do Brasil”, descobri uma obra fascinante que desejo compartilhar com todes vocês como uma leitura imprescindível para 2024. O livro de Luiz Antonio Simas, vai além de uma simples análise religiosa e se apresenta como um mergulho fascinante na diversidade, inclusão e na intrincada tapeçaria cultural do Brasil. A obra desdobra a singularidade da Umbanda, uma prática espiritual genuinamente brasileira que harmoniza crenças indígenas, africanas e europeias. Ao fazê-lo, Simas abre uma janela reveladora para a essência do Brasil, uma celebração das multifacetadas identidades que formam a nação. 

No decorrer do livro, Simas aborda as transformações geográficas e históricas impulsionadas pelo avanço do movimento evangélico no Brasil e o impacto subsequente na perseguição aos terreiros de Umbanda. A obra traz perspectivas diferenciadas sobre a história dessa religião, especialmente por meio dos olhares divergentes de Tancredo da Silva Pinto e Woodrow Wilson da Matta e Silva, esclarecendo as várias facetas e interpretações dentro da Umbanda. Estes relatos ampliam nossa compreensão da Umbanda como um reflexo das complexidades da sociedade brasileira, incluindo os desafios e as mudanças que a comunidade enfrenta.

A obra vai além do histórico, oferecendo uma reflexão sobre a sociedade brasileira, enfatizando inclusão e diversidade, e tem ressoando muito com a comunidade LGBTQIAP+.  Mais que um compêndio histórico, o livro de Simas é um chamado à reflexão sobre o papel fundamental da Umbanda como emblema da unidade na diversidade do Brasil.

  • Desafricanização e Branqueamento: O livro detalha o processo de desafricanização, mostrando como a Umbanda, ao longo do tempo, passou por um processo de branqueamento em um esforço para ser mais aceita em uma sociedade dominada por ideais eurocêntricas. Este branqueamento incluiu a minimização ou exclusão de elementos africanos explicitamente reconhecíveis nas práticas e na estética da religião.

  • História da Umbanda e Racismo no Brasil: A obra explora a Umbanda não apenas como uma religião, mas como um reflexo da história social e racial do Brasil. Ao fazer isso, Simas aborda o racismo sistêmico que permeia a sociedade brasileira, evidenciado na forma como as religiões afro-brasileiras, incluindo a Umbanda, foram e são percebidas e tratadas.

  • Diversidade e Resistência Cultural: A obra de Simas também é crucial para entender como a diversidade brasileira resistiu e persistiu apesar dos processos de branqueamento. Ele mostra como, apesar das tentativas de desafricanização, a Umbanda continua a ser um espaço de resistência cultural do carnaval e do samba no Brasil onde a diversidade é celebrada e as raízes africanas, embora muitas vezes ocultadas, permanecem intrínsecas à prática religiosa.

  • Resistência e Empoderamento: Tanto a Umbanda quanto a comunidade preta LGBTQIAP+ representam histórias de resistência e empoderamento frente a opressões históricas e contemporâneas. A Umbanda, como prática religiosa, resistiu ao estigma e à marginalização, semelhante à maneira como a comunidade preta LGBTQIAP+ tem lutado contra a marginalização baseada em raça e orientação afetivo-sexual, a transgeneridade e travestilidade. 

  • Seu Sete de Lira emerge como uma figura emblemática: Este Exu, sinônimo de musicalidade, alegria e sagacidade, ocupa um lugar de destaque no coração de praticantes da Umbanda. No entanto, a verdadeira profundidade dessa figura se manifesta de maneira pública e vividamente na história de Dona Cacilda durante o marcante evento de 29 de agosto de 1971 que parou a televisão brasileira, quando Dona Cacilda incorporou o Seu Sete de Lira ao vivo no programa do Chacrinha na TV globo, no memes dia o fez  antiga TV Tupi e SBT. Seu Sete lançou LPs, pontos de macumba, marchas carnavalescas e deixou um legado emblemático na cultura do Brasil. O fenômeno Seu Sete da Lira.

  • Tancredo da Silva Pinto: Era um homem negro e um dos líderes do movimento umbandista. Ele defendia uma abordagem da Umbanda que enfatizava suas raízes africanas e a importância da cultura afro-brasileira dentro da religião. Sua visão estava alinhada com a valorização das tradições africanas e com a resistência ao branqueamento e à desafricanização da religião. Tancredo representava uma perspectiva que buscava reafirmar a identidade negra e a herança africana na Umbanda, em contraste com as tentativas de suavizar ou europeizar a religião.

  • Woodrow Wilson da Matta e Silva: Era um homem branco e outra figura significativa na história da Umbanda. Ele tinha uma visão diferente, promovendo uma interpretação da Umbanda que era mais sincretista e incluía elementos de diversas tradições, incluindo o espiritismo kardecista. Matta e Silva via a Umbanda como uma religião universalista, que transcendia as raízes africanas e incorporava uma variedade de influências espirituais e culturais. Sua abordagem era mais inclusiva em termos de práticas e crenças, mas também era vista como uma forma de desafricanização da Umbanda.

Essa discussão entre Tancredo e Matta e Silva é emblemática das dinâmicas complexas dentro da Umbanda e da sociedade brasileira como um todo, destacando como as questões de raça e identidade cultural são negociadas em espaços religiosos e espirituais.

COLUNISTA

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Pri Bertucci

[ILE/DILE & ELE/DELE]

Artista social, educadore e pesquisadore da área de diversidade há pelo menos duas décadas. Identifica-se como pessoa não branca, não cis, não binária, transgênero /gender queer. É CEO da [DIVERSITY BBOX] consultoria; fundadore do Instituto [SSEX BBOX], projeto pioneiro no tema de justiça social; cocriadore do “Sistema Ile”, mais conhecido como linguagem neutra na língua portuguesa. Pri também é produtore executivo da Marcha do Orgulho Trans de São Paulo, e inovou em 2023 quando criou a primeira AI não binária do mundo.
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